Carlos Alberto completou, hoje, 35 anos e exatas duas semanas que se separou de sua esposa Joana. Entrou em casa e como usual retirou o paletó, deixou sua pasta em cima da mesa. Não fossem os incontáveis e irritantes recados em sua secretária eletrônica sequer teria lembrado que hoje era seu aniversário.
Terminou de se despir e dirigiu-se ao banheiro. Durante o banho, como que de súbito, entendeu o motivo de sua angústia. Não era o aniversário. Era o silêncio de sua casa, duas semanas não tinham sido o suficiente para acostumar-se a achegar em casa e não ter ninguém. Decidiu sair.
Saiu do banho, enxugou-se, fez a barba e vestiu-se. Caminhou com passos lentos até a porta e hesitou, como se faz normalmente quando se tem a sensação de estar esquecendo algo. Não esquecia nada. Enganou-se para não admitir o que pensara. Enfrentar nossos sentimentos, admiti-los, encará-los como problemas é demasiado duro quando ainda estamos afeitos demais a eles, muitas vezes é melhor apagar a luz e não ver.
Deixou o apartamento com passos obstinados e lentos, como se carregasse sobre si um peso enorme. Seu semblante embora limpo era deplorável, suas roupas amassadas, denunciavam a dor amorosa e lhe diziam que, entre outras coisas, esta era uma das coisas de que Joana se encarregava. Precisava de uma empregada. Não era hora disto.
Caminhava atento observando o rosto das pessoas, entrou num transe, incapaz de pensar, parecia uma maquina, andava sem direção, sem rumo, ou talvez em busca de um rumo. Ao ver um rosto parecido com o de Joana seu transe teve um fim, lembrou-se de uma frase que havia lido, sem lembrar aonde, “o amor é uma torrente contínua”, sentia certa equivalência da frase com a multidão de pessoas que continuam andando ocupadas em suas vidas. “Quantos mais terão as mesmas agruras que eu?” perguntava-se, para logo em seguida responder “Muitos, não estou só”.
O amor é uma torrente contínua. E para onde se dirigiu a torrente de Carlos e Joana? Não saberia dizer. Eles eram daqueles casais que todos imaginam que nunca se separarão; Carlos sempre tranqüilo e Joana elétrica. Sim, a torrente se dispersou, o que era água tornou-se gelo. Mas por quê? Eis a pergunta que martelava na cabeça de Carlos.
Sem perceber chegou à praia, decidiu sentar e acender um cigarro. Levou-o a boca, e sentiu de repente certa tranqüilidade. O ato de fumar encerrava-se em si mesmo, tudo poderia acontecer, mas nada teria mais importância que aquele cigarro. Percebeu então que havia se deixado levar pela torrente contínua e, agora, que ela havia se extinguido poderia então pisar novamente no chão, sentir a terra com os pés descalços. Era como se tivesse adormecido num barco que passa por uma tempestade e quando acordou viu-se numa ilha paradisíaca, sem ter ainda acostumado a terra firme; pensou ter visto o chão flutuar.
Que contradição! Sentia-se desamparado, havia acostumado a sentir-se embalado naquelas ondas, e, ainda sim, sentia a vida mais real, mais pujante. Amava-a, é fato, mas sabia tão bem quanto ela que não tinham mais forças para seguir em frente. Sabia inclusive que a recíproca não era mais verdadeira e isto era um martírio. “Será que ela tem outro?”. Pensou várias vezes em ir atrás dela, mas ações deste tipo não eram de seu feitio. Se ele tivesse feito isto ela teria voltado, bem sabia, mas perguntava-se: “Por quanto tempo?”.
Este ritual de sentar e fumar um cigarro servia-lhe como meio de reencontro consigo. Uma unificação com o mundo, algo místico. Sentiu o tempo desfazer-se, passaram horas como se fossem minutos. Sentia-se novamente em casa, como se tivesse por um longo tempo deixado, a força, seu corpo; podia então retornar. Unificava de novo mente e corpo, não tinha expulsado a tristeza, tampouco tinha confiança para de novo pisar no chão. Não podia acreditar que aquela terra fofa era sua nova realidade.
Sim, o tempo perdeu-se na vertigem. Parecia mais inseguro do que antes, como se tivesse, junto com o tempo, se desfeito. Não era um novo homem, mas sim um abandonado ao caos, ao caos da vida sem Joana. Terra, caos, torrente, barco... Longe de ser o homem tranqüilo de sempre, Carlos Alberto era agora Ser, somente isto: Ser! Sentia-se como se fosse o mundo e seu eterno padecimento. Abandonou-se a esta sensação e nem percebeu que dormia. Acordou com uma mão no ombro...
Terminou de se despir e dirigiu-se ao banheiro. Durante o banho, como que de súbito, entendeu o motivo de sua angústia. Não era o aniversário. Era o silêncio de sua casa, duas semanas não tinham sido o suficiente para acostumar-se a achegar em casa e não ter ninguém. Decidiu sair.
Saiu do banho, enxugou-se, fez a barba e vestiu-se. Caminhou com passos lentos até a porta e hesitou, como se faz normalmente quando se tem a sensação de estar esquecendo algo. Não esquecia nada. Enganou-se para não admitir o que pensara. Enfrentar nossos sentimentos, admiti-los, encará-los como problemas é demasiado duro quando ainda estamos afeitos demais a eles, muitas vezes é melhor apagar a luz e não ver.
Deixou o apartamento com passos obstinados e lentos, como se carregasse sobre si um peso enorme. Seu semblante embora limpo era deplorável, suas roupas amassadas, denunciavam a dor amorosa e lhe diziam que, entre outras coisas, esta era uma das coisas de que Joana se encarregava. Precisava de uma empregada. Não era hora disto.
Caminhava atento observando o rosto das pessoas, entrou num transe, incapaz de pensar, parecia uma maquina, andava sem direção, sem rumo, ou talvez em busca de um rumo. Ao ver um rosto parecido com o de Joana seu transe teve um fim, lembrou-se de uma frase que havia lido, sem lembrar aonde, “o amor é uma torrente contínua”, sentia certa equivalência da frase com a multidão de pessoas que continuam andando ocupadas em suas vidas. “Quantos mais terão as mesmas agruras que eu?” perguntava-se, para logo em seguida responder “Muitos, não estou só”.
O amor é uma torrente contínua. E para onde se dirigiu a torrente de Carlos e Joana? Não saberia dizer. Eles eram daqueles casais que todos imaginam que nunca se separarão; Carlos sempre tranqüilo e Joana elétrica. Sim, a torrente se dispersou, o que era água tornou-se gelo. Mas por quê? Eis a pergunta que martelava na cabeça de Carlos.
Sem perceber chegou à praia, decidiu sentar e acender um cigarro. Levou-o a boca, e sentiu de repente certa tranqüilidade. O ato de fumar encerrava-se em si mesmo, tudo poderia acontecer, mas nada teria mais importância que aquele cigarro. Percebeu então que havia se deixado levar pela torrente contínua e, agora, que ela havia se extinguido poderia então pisar novamente no chão, sentir a terra com os pés descalços. Era como se tivesse adormecido num barco que passa por uma tempestade e quando acordou viu-se numa ilha paradisíaca, sem ter ainda acostumado a terra firme; pensou ter visto o chão flutuar.
Que contradição! Sentia-se desamparado, havia acostumado a sentir-se embalado naquelas ondas, e, ainda sim, sentia a vida mais real, mais pujante. Amava-a, é fato, mas sabia tão bem quanto ela que não tinham mais forças para seguir em frente. Sabia inclusive que a recíproca não era mais verdadeira e isto era um martírio. “Será que ela tem outro?”. Pensou várias vezes em ir atrás dela, mas ações deste tipo não eram de seu feitio. Se ele tivesse feito isto ela teria voltado, bem sabia, mas perguntava-se: “Por quanto tempo?”.
Este ritual de sentar e fumar um cigarro servia-lhe como meio de reencontro consigo. Uma unificação com o mundo, algo místico. Sentiu o tempo desfazer-se, passaram horas como se fossem minutos. Sentia-se novamente em casa, como se tivesse por um longo tempo deixado, a força, seu corpo; podia então retornar. Unificava de novo mente e corpo, não tinha expulsado a tristeza, tampouco tinha confiança para de novo pisar no chão. Não podia acreditar que aquela terra fofa era sua nova realidade.
Sim, o tempo perdeu-se na vertigem. Parecia mais inseguro do que antes, como se tivesse, junto com o tempo, se desfeito. Não era um novo homem, mas sim um abandonado ao caos, ao caos da vida sem Joana. Terra, caos, torrente, barco... Longe de ser o homem tranqüilo de sempre, Carlos Alberto era agora Ser, somente isto: Ser! Sentia-se como se fosse o mundo e seu eterno padecimento. Abandonou-se a esta sensação e nem percebeu que dormia. Acordou com uma mão no ombro...
Um comentário:
Paulo, a cada dia sou surpreendida por você, seja pela sua visão de Mundo, das pessoas, dos fatos em si...mas dentre todas essas surpresas devo confessar que seu talento para escrever contos me espantou.Uma sensibilidade dinâmica, muito interessante,deliciosa eu diria.Seu estilo é diferente, mas se eu pudesse ousar uma comparação diria que é uma mistura de Walter Mosley com Luis Fernando Veríssimo.Estou contando os minutos para ler a continuação. Beijos!!!
Postar um comentário