Mostrando postagens com marcador Conto. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Conto. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Uma Carta para Alice

Minha querida,

Ainda nao sei seu nome mas ja te amo, minhas palavras faltam na sua presença. Te conheço faz anos vivemos, cada um a seu modo, a degradaçao da vida e as angustias e sofrimentos de uma vida que nao faz mais sentido que nada tem reservado para nos. Mas me penitencio por este amor, como poderia eu, amar novamente, como teria eu direito a uma nova vida. Nao! eu nunca poderia fazer isto com ela, sou casado.
Se nao te digo nada e por que as palavras so atingem uma camada de nossas vidas e, como voce sabe bem, nada temos a dizer podemos falar mas tudo que falarmos nao sera capaz de traduzir os olhares e a vida que recuperei olhando pela janela embassada de meu apartamento. O que mais impressiona e a vida que existe naquele pulgueiro em que vives revela toda a sua alma, revela seu desespero. Sua miseria esta estampada naquele quarto, bem como a minha viste no vidro do prato vermelho.
Nao, em sua presença nao tenho vergonha de ser quem sou e de andar e de mostrar meu membro em riste, mas bem sabes que a droga nao permite que eu seja ninguem assim como nao es. Teu olhar placido e complacente me deprime , por que todos a quem revelei meu desespero materializado naquela droga, que agora percebo que ante sua presença nao tenho coragem de dizer o nome, mostrou pena, julgamento e indiferença. Nao voce nao vc entende a minha degradaçao
Nao sabemos o por que nos tornamos estes seres subumanos mas compreendemos a nossa falta de existencia, nossa morte em vida,  somente com nossos olhares e o que importa o que veio antes, nos ainda temos uma subsistencia pela frente. Ahhh se eu nao fosse casado, certamente tomaria a ti em meus braços e, talvez, tivesse direito a uma nova felicidade. Mas infelizmente nao pode ser. Amo te em segredo entao. Nao me deixe, mantenha sua vida, para que um dia eu possa encontrar a borboleta que me libertara de todo desespero e me dara uma nova vida.

Sempre seu Carlos

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O vidro

Na mesa de Carlos pendia um prato de vidro vermelho em que os restos da cocaina se misturavam a inscriçoes realizadas em uma lingua que nao sabia decifrar o episodio do pulgueiro havia tomado seu ser de tal forma que cheirou uma carreira atras da outra inspirando sua saida do corpo por completo o vidro perdeu o foco. 
Seu penis saltava pela calça a situaçao ignobil da falta de salvaçao inspirou-lhe um desejo sexual a tal ponto que desejaria olhar para aquele pulgueiro mais vezes numa catarse inimaginavel. Deixe me explicar, no entanto algo, nao era o sexo que o excitava mas a propria desgraça humana, a propria degradaçao daquela figura linda entremeada pelas gorduras e suores corporais daquele ser patetico que se dispunha sobre seu corpo.
O espetaculo do nojo foi o que gerou seu gozo a certeza da angustia alheia, o bizarro em toda a situaçao, poderia, certamente, esquecer o sexo que ocorria a vistas nuas mas nao a sensaçao de degradaçao que o ligava aquela moça, sim, ele a amava e o jorro de seu semem era a prova do amor pela ligaçao extrema que os seres encontram na sua propria desgraça.
Fazia poucas semanas que estava naquele lugar e pouco saia, na verdade so saia para comprar mais drogas e continuar seu ritual de auto penitencia fitava entao a desgraça alheia sem que as palavras pudessem ser formadas, nao, nao havia qualquer delas que pudesse dizer sobre seus sentimentos e as contradiçoes que se faziam presentes em sua percepçao
Disto decorreu um pensamento que o assolaria por dias "as palavras nao dizem mais nada". Como por subito a moça percebeu seus olhares indiscretos e passou a gemer cada dia mais alto como se dissesse "voce esta aqui comigo" e, no tempo em que os olhos significam muito mais que os ouvidos, seus olhares destinavam-se a janela adjacente sempre esperando que seu admirador tivesse ali. Numa cumplicidade silenciosa passaram a se entender pelos seus olhares e a condiçao de desgraça mutua substituiu-se uma continua autopiedade compartilhada, uma compaixao, um verdadeiro amor. 
Mas como e possivel de toda aquela sujeira, imundicie nascer uma flor? Num pantano negro e fetido uma bela rosa vermelha brotou e os olhares desejosos e complacentes se tornaram cumplices, cumplices na sua desgraça! Enquanto ela vendia seu corpo por qualquer ninharia ele vendia seu corpo por qualquer coisa que o fizesse esquecer e, assim, ambos podiam entender a subvida que levavam.
Nao, mas isto nao era o suficiente para que pudessem dizer um ao outro qualquer palavra a final "as palavras nao dizem mais nada". Certo dia ao descer pelas escadas Carlos encontrou a jovem moça entrando no predio fitou-a e nada tinha a dizer mas sentiu seu coraçao palpitar e o mesmo aconteceu com ela. Nao trocaram uma palavra e mantiveram ainda por um tempo a relaçao que doentia de cumplicidade degradante que tinham antes. No entanto, ao encara-la algo mudou reparou nos trejeitos e percebeu nela a mesma moça que havia o recebido com tantas palavras e inconveniencias.
Tal encontro deu-lhe a certeza de que "as palavras nao nos dizem mais nada, nao significam nada, existem tantas linguagens e tantos significados que somos incapazes de compreender uns aos outros, mas resiste uma percepçao de algo que nos conecta de um sofrimento, uma dor, que pode nos fazer enxergar e, talvez, se um dia formos capazes de acessar a isto poderemos outra vez dizer algo em vez de falar palavras ao vento." Com isto seguiu seu caminho com um sorriso no rosto como quem faz uma descoberta inimaginavel, revolucionaria para a ciencia deixando a moça para tras esperando que a cumplicidade adquirida no olhar pudesse enfim se materializar em razao e dizer algo, mas o que tampouco ela sabia.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O narrador

Existem três seres que são tão importantes às histórias e falsificações que contamos a fim de ver quadros enxutos de nossa existência sairem pálidos de nosso sersão eles: os personagens, o escritor e ele o narrador. Percebam que eu diferenciei o narrador do escritor este é o senhor da história de onde todos os quadros saem enquanto aquele é somente o arauto, o bardo, que conta a história; este sabe toda a história mesmo que numa percepção iterativa enquanto aquele só a toma conhecimento na medida de uma consciência que se forma racionalmente.
O narrador é fiel ao escritor, o único fiel, pois não poderia não sê-lo está adstrito à capacidade de racionalizar a vida e a existência dos personagens daquele. Nele falta, ainda, um pouco da palidez e sobra um resto de vida, uma existência autônoma que serve de médium para a pálidez que deve se instaurar nas angústias que se materializa nos personagens.
Deixe-me demorar, apenas um segundo, será que ainda posso ficar aqui preso nesta idéia de que o narrador é um médium? Será que se é assim não brilha em si já um tanto do exagero e da falsificação dos personagens nele, e como um catalisador ele é tomado pela reação química que transforma os personagens em plasmas que se desprendem do escritor? Ahhh mas quantas dúvidas sobram em mim agora, o quanto das percepções internas de cada personagem exagerado, falso, mentiroso e velhaco é de direito do narrador? Nenhuma provavelmente.
A impaciência me toma agora, então, sigamos em frente pois já não sei mais quem sou; nesta dialética infernal divido-me em tantos que a verdade está tão longe de mim e estes personagens riem face a minha própria existência, o pouco de vida que eu empresto ao narrador para que ele arranque de mim as angústias transformando-as em personagens é o suficiente para que, como num sonho, estes velhacos escarneçam da minha existência que lhes empresto; e agora já não posso mais lhe dizer quem sou. 
Desvio-me por estas sendas, inevitávelmente, não me encontro mais neste ser mas agora sou muitos enquanto sou um só e a inefabilidade do narrador já se mostra, pois somente este é o senhor da reação alquímica que poderá dividir minha vida em muitas e ver nela camadas e também destruir toda esta peça que se constrói a minha volta para que eu possa ser novamente eu. Ahhh narrador, sou eu ou sou você o guardião do sentido de minha existência? Me retire por favor deste desespero!

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Os recortes de Joana

Em algum canto de seu quarto os sonhos tem de ser guardados e a vida se faz presente; para Joana este lugar foi uma caixinha de madeira onde inúmeros recortes de jornal lhe recordavam das epifanias secretas de suas noites mal dormidas. A pequena caixa de mógno havia, talvez, pertencido a uma princesa ou rainha que séculos antes guardava em sua penteadeira as cartas de amor insólitas enviadas por um oficial do exécito napoleônico que lhe prometera amor eterno. 
As cartas, segundo Joana, teriam cessado abruptamente certo dia fazendo a jovem nobre convalescer e vir a óbito deixando para trás naquela caixa os resíduos de todas as suas esperanças não concretizadas que agora ela mesma cultivava como uma hera venenosa. Ahhhh, como se apegava a esta história! Aos sonhos destruídos da jovem contrapunham-se os sonhos destruídores de Joana. 
Qual seria a sua razão de ser? A quais sonhos reais desfeitos eles correspondiam? O que era tão horripilante e tão indizível que não podia ser revelado com palavras, mas tão somente com sonhos? Seria um amor não realizado como o da jovem ou o ódio a sua vida materna, tudo a que tinha se resumido sua existência.
A história da jovem nobre não se tratava de um sonho mas de uma fábula para as verdades guardadas nos recortes contidos dentro da caixa. Quantas vezes nos pegamos fazendo isto, fornecendo invólucros lindos para tudo que não podemos, não conseguimos ou, simplesmente, não queremos dizer? Não, não direi uma palavra sobre o conteúdo dos recortes de Joana, não poderia traí-la de tal forma manterei seus segredos a salvo.
No entanto, direi ainda uma palavra sobre o brasão na caixinha de madeira antiquíssima. Os leões que se cruzavam entorneados de estrelas e separados por um único sabre não diziam o suficiente mas eram certamente os guardiões dos portões oníricos tanto para a jovem quanto para Joana que confiavam na bravura destes seres aptos a dizer não para assegurar a guarda de seus mais preciosos segredos. 
Então, eu, este narrador, devo também ser no curso desta história cauteloso como o esgrimista e feroz como o leão pois estou entremeado das estrelas que brilham pelas angústias secretas e sabidas destes personagens tão exagerados e falsificados que o escritor desta história me confiou.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

O espelho

Numa das noites em que os sonhos se tornavam mais reais que a realidade e Joana se retorcia na cama oscilando entre ganhidos e gritos secretos e mudos algo inusitado ocorreu. Tudo desfez-se, tudo toda a realidade e o sonho preencheu-a por completo. Não havia mais diferença entre estar acordado e estar dormindo, o segredo de Joana podia ser visto as claras e mesmo seu marido, se tivesse acordado, inevitavelmente teria tido a certeza do que se tratava.
Uma criança de vestido rosa e babados nos braços e na barra do vestido olhava de modo intermitente para a face de Joana e ora sorria ora chorava. Tal visão a recordou de sua infância, mas não, não podia ser ela mesma pois o parque de espelhos aonde se via presa mostrava-lhe sua forma adulta. Estava, então, presa entre a infância e a maturidade. Quem era ela? Era a única pergunta cabível naquela circunstância. Assim como a realidade, desfez-se também sua identidade! 
Passou a vagar sobre aquele parque de espelhos e a todo momento reconhecer-se nas faces ignóbeis dos seres que ali habitavam, mulheres com crianças de colo, meninos travessos que corriam, homens impacientes que desejavam logo retirar-se para o primeiro bar, meninas que mordiam os lábios apaixonadas, rapazes venenosos que lançavam todas as suas artimanhas para conquistar as moças e todo tipo de trapaceiros que a vida produz. Todos eram Joana e Joana era todos. Não se tratava de mera compaixão, mas de verdadeiro reconhecimento físico. Quantas faces deveria ter? Não importa por que todas eram uma única.
Errava e o desespero de ser todos deu-lhe a certeza de não ser nenhum deles! A igualdade implicava naturalmente na falta de qualquer pertinência de si própria numa insegurança, numa revolta, numa indecência de sua existência inútil indiferenciável, sem valor. Joana agora chorava e corria em busca de braços que lhe pudessem confortar enquanto a menina sorria, com os dentes brancos, e lhe estendia os braços mas nunca estava um instante sequer mais próxima. O copioso choro de Joana parecia divertir aquele ser mau, monstruoso, que lhe tinha uma face tão amistosa e divertida.
Este sonho era ainda mais poderoso que os outros este era a revelação da vida que se desfazia interiormente de Joana, mas por que? O que estava acontecendo, de onde viera tal dor, tal angústia? Não, não podia falar as palavras lhe faltavam mas contraditóriamente tal sonho lhe provocava sensações eróticas que lhe fizeram acordar com os seios intumecidos e toda molhada, arfante como se tivesse feito sexo! E como, contraditóriamente, esta era a expressão mais forte de seu desespero, como o sexo é desesperador...

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Solidão a dois

Talvez me perca nestas histórias por que as palavras soam tão diferentes a olhos diferentes, mas há algo que nenhum daqueles que me leem, e já viveram um amor, podem me negar como uma verdade absoluta: ser sozinho é diferente de ser solitário e, mesmo isto, é diferente de viver em solidão. Para Carlos a presença ou ausência de Alice, pelo menos num primeiro momento, era indiferente não despicienda ou desimportante mas simplesmente parte do não ser. 
Aliás, era como se tivesse uma única conveniência, estar ali. Não importava fazendo o que sua existência era inútil só sua presença é que lhe importava e mesmo assim muitas vezes a bile se ouriçava deixando o sangue mais vermelho e o fazendo vituperar contra a mesma presença que era seu único bálsamo. Sim, Carlos havia tornado-se sozinho mas, mais do que isto, ele passou a viver na solidão. Este, provavelmente, era seu principal afrodisíaco para Alice. Esta compreendia, sem saber verbalizar, que vivia na solidão.
Acho que a história de seu primeiro encontro pode fazer entender melhor o que estou dizendo. Como sabemos Carlos perdeu sua família, mas sabemos tão pouco sobre sua personalidade, salvo o que restou após a destruição, a materialização do ambiente, a escolha inconsciente pela punição, a casmurrice e puidez de sua existência não nos contam quem era este homem e, talvez um dia, devamos nos dedicar a isto, mas por enquanto sabemos o quanto basta!
De Alice por outro lado sabemos tão pouco sobre sua vida, sobre quem era o que fazia e por que ali vivia se era pobre ou rica ou qualquer platitude do tipo, mas quanta riqueza existe nos detalhes de sua personalidade naturalmente incompleta, naturalmente na busca de suprir uma angústia com pessoas, passados ou qualquer coisa que a fizesse ter algum sentido. E também é quanto basta para que possamos entender o que se deu! 
Mas, por uma questão de exatidão, acrescentarei algo, Alice já morava naquele lugar mas seu apartamento era muito diferente da sordidez de Carlos. Era belo, bem decorado com vitrais que faziam o sol no fim de tarde ter diversas colorações cheirava a flores cultivadas com todo o zelo nos mais insuspeitos cantos do ambiente. Ocorre que não importava o quanto o ambiente fosse feliz pérfidamente o olor da solidão invadia o ambiente e, ao contrário da casa de Carlos, o ambiente tentava esconder o estado de espírito de Alice, sua condição angustiada e angustiante.
No dia em que Carlos se mudou levou consigo uma malade roupas e uma caixa de livros, os demais pertences seriam entregues no dia seguinte por uma transportadora. Sua cabeça baixa e seus all star totalmente anacrônicos eram incapazes de esconder seu histrionismo interno, seu desejo de redenção mas isto não poderia ser visto por Alice que o recebeu com um sorriso completamente inconveniente (dada a circunstância) e, sem qualquer pudor, lhe encheu de perguntas e ofereceu-se para ajudá-lo com a ambientação. Manifestações infrutíferas de uma cordialidade forçada que só recebiam respostas monosilábicas e uma crescente irritação.
Não poderia, aos expectadores haver nada de mais contraditório entre as personalidades que ali se chocavam até quase se destruir, sim havia um claro embate de personalidades. Mas quanto engano o que havia ali, na verdade, era a manifestação de uma e mesma necessidade: fugir da solidão! Ocorre que enquanto o primeiro depositava suas forças na sua própria capacidade solitária de não viver na solidão; a segunda depositava todas as suas esperanças numa busca incessante por um sentido externo. Não havia nada de diverso além das direções em que se moviam os corações. Para ambos a existência do outro só importava enquanto sua presença física pudesse servir de relembrança para seus próprios anseios.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Alice (no país das maravilhas)

Quantas maravilhas existem neste mundo? O que pode fazer nossa existência valer a pena? Ahh, pobre Alice, vivia antes de Carlos, a se perguntar por estas coisas vivia em busca de um sentido mas como poderia encontrar algum se era incapaz de olhar para dentro? Se era incapaz de perceber que tudo que vale a pena é viver? Que não há sentido algum, em lugar algures fora de si; que deveria ser responsável por si mesma?
Mas o surgimento de Carlos abandonado perdido, drogado, infeliz naquele prédio, naquele apartamento minúsculo ao lado do seu retirou-lhe qualquer chance de, pelo menos por enquanto, encontrar qualquer destes pensamentos. Como os fatos externos são capazes de influenciar nossa vida interna e atrasar ou acelerar os encontros conosco dos quais não poderemos fugir. A chegada de Carlos lhe deu um sentido, curar uma alma ferida.
Mas como poderia se a sua também encontrava-se ferida! Como servir sem forças para continuar? Vivia naquele apartamento fazia alguns anos e não tinha qualquer amigo, não, não to falando de colegas, deste tinha muitos! Saia, bebia, sorria mas isto não impedia sua alma de ser triste. Na impotência deu-se para Carlos, não sexualmente, mas sua alma, e o que de mais importante uma mulher poderia nos dar. O que elas sempre nos deram?
Sem se importar sequer se seriam amadas, este era o seu cílicio, entrar num diálogo onde elas precisariam descobrir o que a outra parte pensa e sente e como elas o fizeram bem. Como um cão ela cuidou de Carlos sem sair de seu lado esperando um pouco de afeto, que como vimos, demorou mas veio. 
Surgiu então seu país das maravilhas! Sua vida agora tinha um sentido, mas tão subumano, tão insignificante, tão distante do papel grandioso que uma mulher deve ter na vida de um homem. Mas há como elas se satisfazem com pouco apesar do seu cansaço. Sim, apesar do seu cansaço as mulheres tem uma capacidade que nunca teremos, a de serem resilientes o suficiente para nos cuidar e, mesmo quando vão embora, sentem o amargor da culpa como se fosse sua responsabilidade o fim
Perdoem-me a digressão, mas Alice e seus belos azuis fitavam o passado onde nada havia sentido e caminhava sobre o mar buscando um pouco de àgua em que pudesse se agarrar, em que pudesse se esconder! Não era necessário! Esta era Alice sempre disposta a oferecer seu ouvido terno e sua boca voraz, sempre pronta a dar sem nada exigir, sem nada receber em troca. Mas será que isto é uma vida? Será que isto é o suficiente para qualquer ser humano?

domingo, 1 de janeiro de 2012

O pulgueiro

O pulgueiro que Carlos via pela janela encontrava-se tão perto e tão distante. Da carreira de cocaína só restava agora os restos espalhados pelo vidro e o corpo de Carlos havia se tornado, neste momento, uma máquina movia-se de lado a lado com impaciência. O ambiente agora era a si próprio e o chão havia retornado, pelo menos em um transe onírico. 
Não, mas isto não era o suficiente a proximidade com o pulgueiro lhe fazia inquietar-se mais do que o movimento involuntário de seu corpo, controlava-se então e olhava pela minúscula janela em direção àquele prédio, velho, promíscuo, lúgubre onde qualquer resto de humanidade se mostrava para ele inútil. Isto tornou-se um ritual diário, sua vida o permitia tais prazeres, no entanto o pulgueiro, continuava, vez após vez criando o mesmo impacto.
Percebeu um dia, no auge de seu transe, onde visão e ouvidos simplesmente só ouviam os uivos de seu coração uma janela e nela uma mulher deitada que gemia, claramente fingindo. Um homem gordo, cheio de pelos, indecente, gritava palavras de baixo calão enquanto a mulher submetia-se a tal aviltamento. O jorro de semên dele, visivelmente, deixou-a enojada mas suas mãos se ergueram como se esperasse algo, sim o seu pagamento. Mas o homem não deu, ao invés disto, lhe agrediu firmemente até que seu corpo sangrasse e ela ficasse ainda mais humilhada
Carlos olhava aquela situação impassível sem olhos, ouvidos, mãos ou qualquer corpo que pudesse fazer algo pela moça, sua inquietude havia se retirado de seu corpo e voltado para seu lugar de direito sua alma. Ainda assim o transe da droga se afastou por um segundo, um somente, e ele pode ver os olhos azuis da bela dama da tarde vermelhos de tanto choro. Ahh o pulgueiro também era uma extensão de sua alma e o aviltamento da moça também era uma extensão de seu aviltamento, sentia como se o sangue corresse de sua carne. 
Mas assim como não podia fazer nada por si, não o podia por ela. Como estamos tão perto e tão distantes a próximidade física e espiritual seguia-se uma profunda distância atual, ou seja, uma impotencia venal ante o acontecido. Muito provavelmente fruto da compaixão, da certeza de que a violência que ela passava era a mesma que infligia a si mesmo. Que mais poderia fazer se não manter-se intacto esperando que alguém os salvasse?

sábado, 31 de dezembro de 2011

A amargura

Interessante observar como os ambientes carregam, materialmente, nossos estados de espírito. Foi com este pensamento que Carlos, um ano após a morte de sua mulher, se entendeu amargurado. Aquele ambiente ofendido, minimalista, com simplesmente uma mesa, um quadro abstrato com cores inexplicáveis e uma janela minúscula que se defrontava com um prédio, um pulgueíro. 
A carreira de cocaína encontrava-se sobre a mesa, que tinha um tampo de vidro, longa, imponente esperando a catárse de seu dono para liberá-lo da amargura, transferi-lo para um lugar onde aquele ambiente desesperador, minúsculo e doentio como a alma de Carlos poderia se expandir e esquecer de toda a dor que havia lhe provocado a passagem pela soleira da porta da vida que o levara até aquela ventura.
Coisas espalhadas pelo chão, sujeira nas paredes, guimbas e cinzas de cigarros caidas no sofá já carcomido pela brasa que havia se apagado, um verdadeiro caos, um lugar onde não existia ordem. Mesmo o chão do apartamento rídiculo não se encontrava em baixo, mas como poderia? Na verdade, devo dizer, aquele apartamento sequer tinha chão tal era o estado de espírito de Carlos. Não, também não havia ali qualquer parede ou esteio e, por isto, a cocaína esperava pacientemente para retirá-lo daquele transe.
Ahhh como os ambientes refletem nossos espíritos. Faziam três meses que havia se mudado para aquele lugar, não, não se tratava de falta de dinheiro ou coisa do tipo. Se perguntasse à Carlos tão pouco ele poderia lhe explicar por que havia escolhido aquele lugar ermo, umido, fétido para morar. Mas, leitor, se me deres a honra talvez eu possa oferecer-lhe uma explicação: tratava-se de um lugar em que sua alma sentia-se refletida.
A carreira de cocaína era a única coisa que tinha sentido naquele ambiente e, também, na compleição espiritual de Carlos. A morte de sua mulher tornara sua vida sem sentido, assim como seu apartamento. Talvez seja o próprio desejo da punição, talvez ele se culpasse pela morte de sua mulher, mas como não tinha chão jazia parado olhando a carreira de cocaína e todo o sentido que só ela podia lhe oferecer naquele momento.
Os ambientes refletem, materialmente, a realidade interna do espírito, assim, percebam, toda a descrição do ambiente é a descrição do estado de espírito de Carlos. Sua amargura não poderia nunca ser descrita em palavras mas para os que sabem ler o mundo a vida material poderá desvelar algo sobre o que encontra-se preso em nossas percepções iterativas que são indizíveis.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Memória

Carlos continuava taciturno mas agora era Alice que jazia com seus cabelos negros e olhos azuis no seu colo fitando o horizonte entrecortado pelos prédios que apareciam suntuosos pela janela da sala. Seus olhos perdiam-se em lugares inacessíveis para o seu amor, mas eis que de repente, não mais que de repente, Alice tinha quinze anos e encontrava-se deitada na cama de seu quarto, na casa de seus pais enquanto no rádio tocava uma banda de rock, neste momento ainda irreconhecível.
Mechas vermelhas nas pontas do cabelo e lágrimas que escorriam pelo rosto em um processo de catárse provocado pela música, um estado alterado de consciência. Não tinha plena consciência de como tinha ido parar ali mas quem o tem quando as memórias afetivas se apossam de nós? Quem pode descrever em  palavras o porquê da nostalgia? 
Olhava aquele ambiente e a vivacidade de sua presença sem entender qualquer coisa, mas qual é mesmo a necessidade que temos de entender? Quem foi que nos disse que precisa tudo ser explicado? Então dexiou-se levar, na certeza de que muitas aventuras das que vivemos e, talvez, as principais estejam nos desafios impostos pela nossa mente, nos ciclos que nossa mente invoca por alguma razão ainda por ser descoberta. 
E levantou-se da cama, ainda com sono e meio perdida, acendeu um cigarro e um baseado, se livrou das cinzas caídas no chão e, então, não havia mais a consciência de estar num estado alterado de consciência, a vivacidade daquela vida passada tornou-se completa. Que podia fazer? Ahhh quantas questões... Nesta idade, ainda que não percebamos, temos muitas questões e o que diferencia esta das futuras é somente isto, a consciência da dúvida. 
Não, o choro não foi embora, apoderou-se ainda mais fortemente de seu ser e o cigarro de maconha secava sua boca e fazia seus olhos doerem empuleirados na fumaça que deixava seus olhos vermelhos. Não, sabia agora, que naquele momento não tinha sido feliz, mas o que é mesmo a felicidade? Muito provavelmente algo que sabemos que temos sem nunca poder descrever com palavras. Quantas percepções iterativas prescindem destas? E como somos felizes se, por instante feliz, conseguirmos chegar perto daquilo que há de verdadeiro nestas percepções, se conseguirmos ter a suprema honestidade.
Jazia, ainda, no colo de Carlos mas seu olhar não estava mais perdido estava desperto como se tivesse visto somente o suficiente para poder se aproximar deste verdadeiro e entender qual seu papel neste modo de ser em que a vida se presentava. Sentiu então, de súbito, as mãos de Carlos deslizarem sobre os seus cabelos negros e agora vertiam lágrimas sobre seu rosto e, como num dia de chuva em que surge um arco íris, sua face brotava um sorriso. Anunciando que novos tempos haviam em fim chegado.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O chaveiro

Uma vida de pequenos e lentos gestos, as chaves abrem as portas a cada girar. Giram uma passagem para um mundo novo, para o transe de uma vida nova e cheia de surpresas. Mas o quanto os pequenos gestos se envolvem neste processo que vai desde uma causa eficiente que cria as chaves, ou seja, a possibilidade de abrir as portas e o próprio abrir das portas? 
Aquele homem, que era recorrente, apareceu e com suas mãos talhou uma chave cheia de pequenos dentes com cuidado e carinho, pois estes são necessários para que as chaves abram portas, e entregou-lhe na mão. Tal gesto de passagem é o primeiro do processo em que se pode decidir, entre guardar aquele talismã ou utilizá-lo como meio para encaminhar-se numa direção ainda desconhecida. 
A face rígida e dura refletia a certeza daquele que precisa manter-se sempre concentrado nos pequenos gestos e dava demonstrações de quantos pequenos gestos continuam este processo, que se inicia com a condição para que seja possível exercer uma transformação. Por isto enrijeceu o rosto e continuo admirando aquele tesouro, ainda sem saber o que fazer. 
Apesar de recorrente as únicas coisas que conhecia dele era a face rígida e dura concentrada e cheia de marcas da vida, como aquelas pessoas que passam tanto tempo entretidas em revelar algo que se tornam também parte deste algo. O cenário era sempre desconhecido, um alerta, de que o uso do talismã seria também uma passagem em direção ao desconhecido. Quanta angústia pesava em seu coração ao pegar aquele fruto de pequenos gestos e saber que também, se assim o desejasse, deveria fazer pequenos gestos, lentos gestos.
Fazer lentos gestos em uma vida cambiante como a nossa não é algo fácil ou de somenos, é entretecer-se com algo superior à qualquer gesto impensado que cometemos com relances de raciocínio que nos levam a lugares que sequer sabemos que desejavámos ir. Não, neste caso a vida impunha-lhe uma gravidade que não lhe permitiria avançar sem enfiar lentamente, refletidamente, e girar ainda com todo cuidado. Fazer diferente disto poderia significar quebrar a chave, perder o talismã e com ele a chance de passar ao outro lado.
Enfiou a chave na porta ainda sem saber se realmente gostaria de deixar este quarto e seguir em direção a um novo ambiente, à uma nova vida, mas com a disposição e a coragem de se lançar. Viu então o homem de feições rígidas parado à seu lado como se a admoestasse dos perigos da vida, dos perigos que só podem ser anunciados em lentos gestos; mas não desistiu.
Ao girar a chave, acordou sobressaltada, sem sequer ter a oportunidade de ver o que lhe esperava. Arfava como se tivesse perdido todo o ar, como se por um segundo tivesse corrido um risco de vida. Como se um segredo estivesse para ser revelado, um segredo que nunca era para ser visto. Agradeceu ter acordado, mesmo estando frustrada, gostaria de ver o que havia por trás da porta. Seu marido como sempre deitou-lhe a cabeça nos ombros e consolou-lhe e Joana começou a chorar, como criança que perde um brinquedo.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Seu lugar

Como as coisas tem tantos significados? Será que é possível, enganar tanto uma pessoa? Ser tão mal assim que brinca com os sentimentos dos outros, fazendo elas de lixos humanos? Ou talvez tudo tenha um significado diferente para cada pessoa, um que não podemos entender, pelo menos sem ver o quadro todo. 
Os significados fascinavam Gabriela que, 5 anos antes daquele fatídico dia, havia perdido toda a fé na sua vida e vagava pela rua se prostituindo e dando-se a qualquer um que lhe passava uma nota de 20 reais, mas não tinha mais o desejo de significar nada para ninguém. Por isto os significados lhe interessavam tanto, por que ela mesma não tinha mais nenhum. Objetos, brinquedos, são simples objetos de desejo que se perdem na noite com o sono pesado posterior ao jorro de semên ou que são expulsos de sua vida no minuto em que se tornam atuais e não mais expectativas.
Vagava pela rua e concluia, a cada vez, que realmente nada tinha de importante, não significava nada para ninguém; foi encontrada então pela Baronesa, com seu coque louro e sua pele perfeitamente maquiada, que lhe disse "como, meu bem, pode estar aqui vagando nesta rua e vendendo-se por tão pouco sendo tão linda, você virá comigo"
Tal frase lhe fez recuperar o sentido de que tinha alguma importância, de que representava algo e, por isto, a seguiu sem se importar para  onde. Mal sabia ela que a Baronesa era mais cruel e humilhante que a rua, mas talvez por àquela epifânia nuncaa tenha se queixado de qualquer de suas humilhações e de ser oferecida a homens como um pedaço de carne em um mercado. 
Estava, contudo convencida, é sim possível enganar tanto uma pessoa e, mais que isto, é possível brincar com os sentimentos dos outros transformando-as em lixo. Ainda estava convencida de que agora era de verdade um nada, mas então por que continuava? Se já tinha conseguido dinheiro suficiente para ter sua liberdade? Por que apesar de toda dor que uma pessoa pode nos causar continuamos, não tornamos peremptas as situações? Não as tornamos proscritas de nosso mundo? Será mera falta de coragem, ou talvez o medo de ter que novamente se encontrar consigo?
Gabriela chorava a cada fim de noite pensando nestas coisas e se culpando por ser tão fraca, tão incapaz de pôr um fim nisto. Seu coração se revoltava e seu sorriso, que antes e depois estava sempre prestes a aparecer, sumia como se levado pelo vento. Tentava em vão arranjar respostas. Mas, leitor, não se tratava de medo ou covardia mas de um sentimento, muito natural, de consolidação dos significados em nossa vida. Tal consolidação impõe que sempre vejamos um quadro como já o vimos antes ou encontremos formas parecidas com aquelas que já conhecemos e a elas nos restrinjamos. 
Por que não estabilizar a vida é viver do mistério e quem, hoje, tem estrutura suficiente para aguentar a todo tempo o medo do que a vida pode nos oferecer e ver em cada nuvem uma nova forma, ainda não vista, em cada estrela um brilho novo e diferente? Quem de bom grado poderia admitir que sua vida pode se transformar em um simples segundo? 

sábado, 17 de dezembro de 2011

Este homem

Quando as coisas terminam? Quando elas se iniciam? Quando não dá mais para seguir em frente relevando uma determinada situação, que se sabe que ela está perempta? Quando sabemos com certeza que é indispensável tornar determinadas coisas proscritas? Foi com estes pensamentos que este homem, que, sei leitores, que vêem agora diante de seus olhos, de altura mediana, pele branca, nariz aquilino, cabelos oleosos negros caidos por cima da testa e aquela pequena barriga descuidada de seu compulsivo sedentarismo, entrou naquele lugar. 
Talvez se perguntem agora quantos anos ele deveria ter àquela época, isto eu não saberia dizer. Com certeza o suficiente para ter coragem de voltar àquele lugar, ainda uma vez. Não por que não tivesse estado ali por muitas vezes mas por que não gostaria de, ainda uma vez, enfrentar os olhos reprovadores da Baronesa.
A Baronesa era a dona daquela casa de mulheres de vida difícil na qual tinha sido levado por um amigo em uma despedida de solteiro e onde conhecera Gabriela. De olhar altivo e um respeito próprio que não dedicava a nenhuma das mulheres que ali viviam a Baronesa lhe inspirava medo e, mais ainda, diante de sua última atitude.
Gabriela o havia encantado e, por isto, somente por isto violou seus princípios e voltou ali diversas vezes, para foder com ela. Não se enganem, foder com ela, era só uma desculpa para tê-la em sua companhia, para ver aqueles belos olhos azuis, cabelos negros lisos e sorriso gigantesco sempre prestes a aparecer. Aquele objeto tinha se tornado um afeto, tanto que logo a trepada paga foi esquecida por longas horas de conversa que faziam Gabriela se derreter. 
Para ela aquilo era uma novidade, depois de 5 anos naquela vida de puta sentia-se novamente como uma mulher. Era olhada como um indivíduo e como alguém de quem se deseja mais do que somente o sexo. Ahhh e o sexo, adorava fazer sexo com aquele homem gemia genuinamente a cada estocada que ele lhe dava. Era novamente uma mulher, não um  objeto de consumo. 
Devido a sua situação, e as coisas que já havia visto em sua vida, não podia se dar o direito de se apaixonar, de se entregar, então conservava uma condição semi-humana. Isto se revelou quando ele lhe perguntou seu verdadeiro nome, por óbvio não era Gabriela, e ela negou-se a dizer. Sim, uma proteção contra uma possível futura decepção, mas para este homem não havia como retornar estava completamente embriagado com uma puta, o que devia fazer? 
Tomou, peremptóriamente a decisão de lhe tirar daquele lugar para  ser sua mulher, e fez uma proposta a Gabriela: Ela lhe diria seu nome na quarta-feira seguinte à seu último encontro, pois seria o dia em que ele compraria sua liberdade da Baronesa. Achando que se tratava de uma mera brincadeira, Gabriela aceitou a proposta e pensou que não mais veria este homem. Eis que agora vê ele entrar com o paletó todo molhado de chuva e um maço de dinheiro amassado, mais uma vez, naquele lugar e cumprir sua promessa.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

O Grito

Um dia acordou sobressaltada e soltou um grito, daqueles mudos como quando a voz falta. Foi o suficiente para acordar seu marido assustado; seus olhos escorriam lágrimas, copíosamente. Este foi o primeiro episódio em que Joana revelou, de alguma forma sua dor mas quem daria atenção a um mero pesadelo? Seu marido pôs lhe a cabeça nos ombros como quem entendesse do que se tratava, buscando acalma-la. 
Não, as palavras não saiam de sua boca, os cabelos negros bagunçados era tudo que ela conseguia pegar em um desespero que era sintomático. Mas leitor, quantos sintomas da dor alheia deixamos passar, sem que sequer desconfiemos de sua importância. Afinal quantos significados as coisas podem ter? A cama do casal extremeceu, mas ninguém, exceto Joana podia se dar conta disto. A complacência lhe transtornava e a falta de palavras para explicar o ocorrido tornava-a irascível! 
A alegria costumeira foi-se. O segredo foi mais forte que ela e as palavras não saiam de sua boca, não era capaz de contar. Decidiu, então, manter para si todo aquele peso. Ahh como a vida tem tantos significados, tal decisão foi o necessário para que a complacência e a certeza de que não se tratava de nada demais invadisse o ambiente conjugal. Não se tratava de maldade ou falta de zelo, mas as coisas tem tantos significados. 
O silêncio que é capaz de internalizar e nos fazer religar com algo interno clareando nossas idéias pode também significar algo deletério, afastando de nós todos aqueles que poderiam ser nossos ajudantes nesta vida. E, talvez vocês não saibam, mas ajuda é algo de que todos prescindimos, principalmente quando entramos no fundo de algo que não entendemos; dividir pode não ajudar a entender mas ajuda a ficar mais leve o peso do mistério.
Pode ser que tenha dado a idéia de que a solidão desespero é deletéria e a solidão angústia é algo de normal ou até benéfico; mas enquanto a primeira afirmação é verdadeira, a segunda é certamente falsa. Precisamos, necessariamente, de meios para impor um sentido a nossa vida e se não o podemos fazer sozinhos certamente o reconhecimento da alteridade nos ajuda. 
O episódio do grito não despertou nem para Joana, nem para seu marido tais percepções e como uma hera venenosa que corrói tudo que toca transformou a angústia natural da existência em solidão completa e total no lar conjugal. Se na primeira vez a complacência foi quem tomou conta aos poucos tudo foi se transformando em simples solidão e distância. Como é triste ver um casal que se ama afastar-se, perder a cumplicidade. Não importa o quanto se ame uma pessoa é necessário respeito e cumplicidade para que o amor se nutra e mantenha-se forte!
Tal episódio tornou-se contumaz e Joana não mais podia lidar com ele sozinha, mas a primeira atitude de seu marido havia a convencido de que se ela era incapaz de entender aquilo tampouco seria seu marido; do mesmo modo seu silêncio angustiava seu marido que, não mais acreditava na eventualidade do pesadelo, mas nada poderia fazer na inteligência de que não poderia forçá-la a se abrir. E como é perigoso manter para si os problemas, como é perigoso não acreditar nas pessoas.
A confiança e a lealdade não se trata de um dever de fidelidade ou de exclusividade proprietária mas de verdadeira cumplicidade; de compaixão no sentido de sentir o que o outro sente. Quando isto não ocorre existêm duas soluções; deixar de lado e buscar a felicidade em outro lugar ou abrir-se. Nenhum de nós tem o direito de abrir mão de nossa felicidade, plenitude em favor da medíocridade de uma vida segura e tranquila; a final a vida é muito mais que se adaptar, devemos sempre lutar por nossa felicidade!

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Um acidente de percurso

Joana era casada a 15 anos, tinha duas filhas pequenas 4 e 6 anos, possuia 45 anos e era 10 anos mais velha que seu marido, mas nem parecia. Já viram aquelas pessoas joviais que parecem nunca ter deixado de ter 16 ou 17 anos? Sua aparência, linda, experiente, no rosto escondia um corpo muito bem tratado, não as custas de dinheiro, mas de alimentação e felicidade. 
Tinha cabelos negros esvoaçantes e nenhuma necessidade de se mostrar, era daquele tipo de mulher que simplesmente com uma bermuda e uma camiseta chamaria a atenção não pelo seu espalhafato mas pela sua alegria. Se já tinha 10 anos de casada conservava o amor e a cumplicidade de uma namorada. Ahhh como sabia dizer sim (e também n]ao) com ternura. Tudo isto não implica que não tivesse defeitos, era geniosa e tinha seus momentos de solidão de extrema depressão, cansaço e dor. E como tais momentos eram perigosos.
Ninguém era capaz de entender por que tais momentos apareciam como uma centelha de luz que some ao mesmo instante que você tenta pegar, parecia talvez, guardar consigo algo que jamais poderia ser dito ou que não havia como ser dito. Foi em um destes momentos que tudo ocorreu, ninguém teve culpa, quanto mais Joana que não tinha o equilíbrio necessário para controlar tais momentos.
Entrou no carro, como sempre fazia, para levar suas filhas na escola e depois ir ao trabalho quando de repente foi apossada pelo gênio maligno da depressão da tristeza. Parou o carro na frente da escola mas não abriu as portas, não deu o beijo costumeiro de despedida, não disse uma palavra e de seus olhos verteram lágrimas, tão dolorosas que pareciam arrancar seus globos oculares a cada vez que desciam.
As crianças se assustaram, não pela condição da mãe, mas pelo momento que era inusitado. Certamente, entenderam, que a dor se tornara tão grande que ela não mais poderia aguentar. O carro continuou a andar e, então, quem chorava eram as crianças, copiosamente como se soubessem de seu destino.  O telefone celular tocou incessantemente, como se alguém pressentisse o ocorrido, mas Joana não atendeu, continuou errante andando com o carro em direção à lugar nenhum.
Chegou então até uma estrada onde tinha uma ribanceira e seu coração começou a palpitar. Agora sabia bem aonde estava indo e por que tinha ido até aquele lugar, mas lhe faltava coragem. Foi então que viu a sua frente um caminhão, a coragem que faltava, tentou com seu peugeout 206 ultrapassá-lo pelo acostamento, não deu.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Bate a sua porta

As portas são passagens, e disto nós todos sabemos, mas para onde? Carlos após aquela noite em que o medo, a angústia e o desespero lhe fizeram uma visita põs-se dias a pensar sobre tal encontro. Havia sido mágica? sonho? Não importava, mas tantas coisas que não nos importam são tão pulsantes em nossa mente que apesar da felicidade de ter reecontrado o amor, como Alice, continuava taciturno.
A paz que lhe foi introjetada pela borboleta não era o suficiente para fazê-lo esquecer daquela terrível sensação de morte que se lhe apresentara com aquela face gélida. Isto a tal ponto que quase desejava vê-la novamente, talvez agora pudesse remoer mais que suas entranhas, talvez agora pudesse lhe dizer algo. Sabia que não aconteceria e, mesmo que ocorresse, tinha a plena certeza de que um riso funebre ecoaria por todo o corredor. Que poderia fazer, se esquecer não era uma possibilidade.
Alice, como toda mulher, sentia a paz no coração de Carlos mas sabia que algo o incomodava, mas ahhhh como as mulheres são sábias, não lhe perguntou nada. Simplesmente, sempre que podia deitava a cabeça de seu novo homem em seu colo e lhe fazia carinhos como quem desejasse afastar dele toda angústia. O que, em sua sapiencia, sabia ser impossível, mas para Carlos aquilo era um bálsamo deixado por aquele encontro tão misterioso. Isto era suficiente, a felicidade.
As portas são passagens então por que aquilo não houvera deixado a soleira da porta? O que são as soleiras? Um transe entre o conhecido e o desconhecido preservam o mistério daquilo que há do outro lado. E assim Carlos pode chegar a conclusão de que aquilo que batera a sua porta era uma mensagem oracular, algo feito para intrigar. Toda passagem significa o reecontro com algo novo, no caso o amor de Alice, e todo mistério exige de nós a angústia de viver em busca de entender este algo novo.
As hostes de sangue que verteram dos olhos daquilo foram a suprema libertação de toda solidão que desesperava Carlos. Entendam duas coisas: uma coisa é a angústia existêncial que o mistério da existência nos provoca e outra é o desespero de querer ser outro, com o qual você pode sempre se acostumar mas a revolta, a amargura, o temor, nunca lhe deixarão escapar; por outro lado, e prestem bem atenção nisto, a soleira, o transe entre o conhecido e o desconhecido, sempre é um desafio do qual a solidão faz parte. Assim, a cada forma, angústia ou desespero, corresponde um tipo de solidão diferente.
Carlos via-se agora neste tipo de solidão decorrente da angústia e do mistério e a esta corresponde uma nova necessidade, não mais de se adaptar, a vida é muito mais do que se adaptar, mas de se abrir para descobrir um novo sentido para seu mundo para seu existir. Ahhh que tarefa solitária, mas ter sempre alguém por perto nos dando alento pode transformá-la em algo muito menos penoso. E como Alice entendia bem disto.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O Passado

Despertou com batidas na porta, tão sólidas, tão graves, desesperadas que lhe provocaram um susto. Será que alguém havia morrido? Logo lembrou que não tinha mais ninguém, estava só faziam três anos desde que sua esposa e filhos foram mortos em um acidente de carro. Deu-se, então, conta que há muito, inclusive, não batiam a sua porta com tal gravidade. Na verdade, sequer batiam em sua porta, salvo Alice a vizinha que por pena ou sentimento que o valha às vezes vinha lhe fazer companhia.
Será que era chegada a hora? Bem sabia que um dia haveria que seria compelido a retribuir toda atenção e carinho que a moça de trinta e poucos anos havia prestado aquele senhor, velho, amargo, e cansado da vida. Foi este pensamento que o fez parar a frente da porta e congelar, no tempo, como se por um segundo tudo a sua volta mantivesse no mesmo estado. Será que teria condições de retribuir tal favor, será que seu cansaço se afastaria pelo menos por alguns minutos? 
Tomou folego enfiou a chave na maçaneta como quem num lento gesto de aproximação tatea-se no escuro esperando não encontrar um monstro, Alice e seus prantos. Ao rodar a maçaneta sua segurança voltou pensava consigo mesmo "Eu devo isto a ela, então tenho que ser forte." Eis que a porta se abriu. Ahhh como queria ter desistido antes de abrir, e só o tinha feito pelo afeto a Alice. 
Sim, era um monstro que se eoncontrava atrás da porta mas não aquele que havia imaginado. Este lhe causava pavor e certamente vinha acompanhado de sua morte. Um frio intenso se irradiou por toda a casa ao ponto de parecer inverno embora fizesse um calor infernal. Quem era aquele ser postado a sua frente fitando-o com olhos tão gélidos e poderosos? Não tinha sequer coragem de perguntar, mas sabia bem a resposta sentia no frio que irradiava por sua espinha a verdade sobre quem era aquele ser.
Será mesmo que era um ser ou talvez um nada? Que isto importava? Nunca houvera sentido tamanho medo tamanha solidão. A solidão, com a qual se acostumara, tornara-se, de súbito, intensa e o fez chorar. Continuava a encarar aquilo mas não tinha condições de mover-se ou talvez estivesse se movendo, pois toda suas entranhas se reviravam e a vontade de vomitar crescia a cada instante. 
A angústia era tanta que torcia para que se trata-se de um sonho, batia em seu rosto, e se agredia de todas as formas para acordar deste pesadelo, mas de nada adiantou. A face gélida criou um rosto e começou a escarnecer e apiedar-se da condição dele. Rezava por Alice, quem sabe ela poderia retirá-lo deste transe, gritava mas não encontrava eco. 
Descobrira então que o inferno era frio e que se havia se apossado de seu ser. Nesta terra o inferno não tem um corpo próprio então aproveita-se das fraquezas, do amargor, da solidão para travestir-se e se apossar de nossas vidas. Culpava, então, Alice por ter lhe feito enxergar de fato onde estava metido, onde vivia, e o que havia feito de sua vida. Aquele encontro era fruto do amor, do afeto que havia lhe dispensado; a face gélida havia batido com pressa de quem vai embora para que a vida retorne, para que o existir deste homem pudesse então ser purificado. 
Então chorou sangue como quem tristemente se despede e então virou as costas e sumiu transformando-se em borboleta com luzes lindas que foram introjetadas no peito de nosso protagonista. Este sentiu uma paz tão serena e parecia que a vida havia sido restaurada em seu coração, todo amargor se foi e sentia-se jovem como um menino. Pela primeira vez foi ele quem acorreu à porta de Alice e quando a viu abrir a porta, de robe, assustada pela hora e pela situação inédita sorriu, sabia intuitivamente o que acontecera. Um beijo nosso protagonista lhe deu, e enfim pode seguir em direção ao futuro.

sábado, 26 de novembro de 2011

José Abdias Atormentado

Já sabemos a morte de José Abdias não foi seu descanso, mas pior do que isto tornou-se sua obssessão. Precisava saber, precisava. Precisava saber o que o levou a morte, àquela condição. Sua palavras que haviam sido um lenitivo àqueles que precisavam tornaram-se sua condenação e seu espírito não descansaria antes de entender o porquê.
Sempre ouviu as pessoas falarem de missão, destino e nunca entendeu do que se tratava. Por isto fez de suas palavras um destino, acreditava que tendo cumprido sua missão estaria, se houvesse um pós morte, em paz. Ao revés havia terminado naquela condição escravizada. Ahh como se parece a existência. Continuava, como os seres da terra a perguntar-se qual era o sentido de sua existência, a sentir aquelas agulhadas, que todos sabemos muito bem, que nos perguntam qual é o sentido de nossa existência.
Encontrava-se, por isto, preso a matéria, incapaz de se conformar e de perdoar. Sim, precisava, precisava saber quem fora seu algoz. A obssessão tomou conta de sua alma. Não, não podia entender, como havia terminado naquele lugar cheio de lamúrios, sofrimento, dor, gritos, ecos. Fora obrigado a manter sua missão, àquela que dera para si, as palavras mas não mais com amor, mais com raiva. Não tolerava aqueles murmúrios, tão pouco podia aceitar que depois de uma vida virtuosa encontra-se num lugar onde sequer existia luz.
José Abdias encontrava atormentado encontrava-se dilacerado pelo sofrimento e perdido, sem saber para onde ir. Tudo que ele acreditava havia se perdido, sabia. Sabia também que precisava de um novo começo, mas de onde poderia vê-lo? Ahhh só poderia vê-lo na vingança, se, se, talvez pudesse destruir aqueles que o prenderam ou que o levaram àquela condição, talvez então pudesse ter um novo começo. Forjar para si um novo começo.
Ahhh como é parecida a existência. José Abdias precisava entender o que houvera e mais do que isto fazer algo que pudesse reparar sua condição. Não, não importava quantas luzes se apresentassem no seu caminho, tornou-se desconfiado, não as seguia. Acreditava ter seguido uma luz uma vez e, ainda assim, ter sido punido. Tomaria a rédea em suas mãos.

sábado, 12 de novembro de 2011

José Abdias no Inferno


De todos os sofrimentos à que José foi sujeito o pior deles foi manter-se preso a esta terra. Sua morte suscitou todo tipo de sentimento, menos leniência. Todos a que ele levou sua palavra amiga, todos a que ele levou conforto não estavam preparados para perdê-lo e, por isto, não lhe deixavam ir embora, mantinham suas palavras vivas e com ela sua prisão à toda matéria.

Não se enganem isto a tal ponto que não falo aqui somente do vizinho, do colega de trabalho, da família, mas de todos aqueles que se apaixonaram achando que ele tinha encontrado as duas pontas do existir. Estes, diga-se de passagem, abriram mão de eles mesmos buscar atar as pontas da vida e do existir. Ahhhh para que isto daria tanto trabalho, tão cansativo.

Ora, mas quem pagou com sua própria alma foi José Abdias, tornou-se refém. Não, ele não foi ao inferno sua condição não permitia isto mas imagine só um ser que tudo a que se dedicou foi à buscas juntar o impalpável e permitir uma abertura para os mortais dele lugar sagrado ver se privado de ir até este lugar pelo egoísmo dos mesmos que quis ajudar?

Tratava-se do próprio inferno! Um inferno de inquietude e angústia se ver escravo da matéria da qual, como se sabe, num mero estalo ele era capaz de deixar rumo às estrelas, rumo ao começo àquilo é a condição para que nós mesmos possamos  existir. Estar no inferno é estar preso àquilo que esta sendo, ou seja, que cambia que muda.

José Abdias viu-se proibido de retornar ao começo por que a má interpretação de suas palavras o obrigava a manter-se vigilante, por que sua obsessão, seu amor incondicional as suas palavras, sua vaidade fez da propagação destas, objetos de vaidade, ambição e angústia.  

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A morte de José Abdias


José Abdias era escritor e como todo bom inventor dedicava sua vida às suas criaturas. Estas feitas de palavras ganhavam vida feito alquimia, feito um sonho angelical que traz conforto e paz. Por elas deixou tudo, pais, mães, filhos, ou melhor, passou a ter únicos filhos os sonhos e pesadelos que trazia à vida, sim, trazia à vida para o conforto de pobres como eu.

Certo dia caminhando pela cidade tive notícias de sua morte, mas como justo agora em que o impalpável juntou suas pontas à matéria, justo agora que seu brilhantismo em fim se revelou. Como pode ter morrido um gênio que ressuscitou o genêro trágico em nossas vidas e ainda tinha tanto a nos oferecer. Justo ele que de bom grado aceitou ser uma ponte entre este mundo e o mundo virginal do sonho. Tudo que pude foi ficar ali, parado naquela mesa de bar atônico, impávido.

Olhem não fui só eu, há muito não via uma morte causar tamanha comoção fosse por seu espírito bem aventurado, pelas gorgetas que sempre deixava nas esquinas que passava, pela morte prematura, pela dor de perder um homem que dedicou sua vida a um único sacerdócio, o das palavras, todos estavam comovidos, chorosos. Mesmo aqueles que o odiavam sabiam da falta que faria, mesmo aqueles que lhes eram indiferentes sabiam que uma luz no mundo houvera se apagado.

Quanto a mim? Não, não se tratava de de tristeza, nem de dor mas de pura curiosidade. Daquelas que arrebatadoramente nos tomam, nos enchem, e angustiam o fundo de nosso ser. Sentia sim sua morte mas não como uma dor qualquer, mas como a própria dor do escritor própria dor que ele devia ter deixado, não a morte mas o fim de sua história, o fim do único homem que poderia juntar as pontas entre aquilo que sempre é e aquilo que está sendo.

Se houvesse um obituário nada poderia dizer ou sequer descrever quem foi este homem, por que como os sons ele subia sua freqüência até lugares que jamais nós pobres mortais poderíamos alcançar e, ainda assim, nos deleitávamos. A uma distância segura é claro, estrelas brilham e erradiam calor e nós, pobres mortais jamais poderíamos, verdadeiramente, nos aproximar. Tudo que restou foram prostitutas falando sobre sua grandiosidade e o “sexo” do nobre autor, sim, seu “sexo”, suas palavras. Entre críticas literárias e choros familiares sabemos que jamais deixarão que José Abdias de fato morra e vá até o lugar onde o impalpável pelo qual tanto deu, é real. Que destino cruel para quem só quis o bem