domingo, 1 de janeiro de 2012

O pulgueiro

O pulgueiro que Carlos via pela janela encontrava-se tão perto e tão distante. Da carreira de cocaína só restava agora os restos espalhados pelo vidro e o corpo de Carlos havia se tornado, neste momento, uma máquina movia-se de lado a lado com impaciência. O ambiente agora era a si próprio e o chão havia retornado, pelo menos em um transe onírico. 
Não, mas isto não era o suficiente a proximidade com o pulgueiro lhe fazia inquietar-se mais do que o movimento involuntário de seu corpo, controlava-se então e olhava pela minúscula janela em direção àquele prédio, velho, promíscuo, lúgubre onde qualquer resto de humanidade se mostrava para ele inútil. Isto tornou-se um ritual diário, sua vida o permitia tais prazeres, no entanto o pulgueiro, continuava, vez após vez criando o mesmo impacto.
Percebeu um dia, no auge de seu transe, onde visão e ouvidos simplesmente só ouviam os uivos de seu coração uma janela e nela uma mulher deitada que gemia, claramente fingindo. Um homem gordo, cheio de pelos, indecente, gritava palavras de baixo calão enquanto a mulher submetia-se a tal aviltamento. O jorro de semên dele, visivelmente, deixou-a enojada mas suas mãos se ergueram como se esperasse algo, sim o seu pagamento. Mas o homem não deu, ao invés disto, lhe agrediu firmemente até que seu corpo sangrasse e ela ficasse ainda mais humilhada
Carlos olhava aquela situação impassível sem olhos, ouvidos, mãos ou qualquer corpo que pudesse fazer algo pela moça, sua inquietude havia se retirado de seu corpo e voltado para seu lugar de direito sua alma. Ainda assim o transe da droga se afastou por um segundo, um somente, e ele pode ver os olhos azuis da bela dama da tarde vermelhos de tanto choro. Ahh o pulgueiro também era uma extensão de sua alma e o aviltamento da moça também era uma extensão de seu aviltamento, sentia como se o sangue corresse de sua carne. 
Mas assim como não podia fazer nada por si, não o podia por ela. Como estamos tão perto e tão distantes a próximidade física e espiritual seguia-se uma profunda distância atual, ou seja, uma impotencia venal ante o acontecido. Muito provavelmente fruto da compaixão, da certeza de que a violência que ela passava era a mesma que infligia a si mesmo. Que mais poderia fazer se não manter-se intacto esperando que alguém os salvasse?

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