domingo, 12 de fevereiro de 2012

Os recortes de Joana

Em algum canto de seu quarto os sonhos tem de ser guardados e a vida se faz presente; para Joana este lugar foi uma caixinha de madeira onde inúmeros recortes de jornal lhe recordavam das epifanias secretas de suas noites mal dormidas. A pequena caixa de mógno havia, talvez, pertencido a uma princesa ou rainha que séculos antes guardava em sua penteadeira as cartas de amor insólitas enviadas por um oficial do exécito napoleônico que lhe prometera amor eterno. 
As cartas, segundo Joana, teriam cessado abruptamente certo dia fazendo a jovem nobre convalescer e vir a óbito deixando para trás naquela caixa os resíduos de todas as suas esperanças não concretizadas que agora ela mesma cultivava como uma hera venenosa. Ahhhh, como se apegava a esta história! Aos sonhos destruídos da jovem contrapunham-se os sonhos destruídores de Joana. 
Qual seria a sua razão de ser? A quais sonhos reais desfeitos eles correspondiam? O que era tão horripilante e tão indizível que não podia ser revelado com palavras, mas tão somente com sonhos? Seria um amor não realizado como o da jovem ou o ódio a sua vida materna, tudo a que tinha se resumido sua existência.
A história da jovem nobre não se tratava de um sonho mas de uma fábula para as verdades guardadas nos recortes contidos dentro da caixa. Quantas vezes nos pegamos fazendo isto, fornecendo invólucros lindos para tudo que não podemos, não conseguimos ou, simplesmente, não queremos dizer? Não, não direi uma palavra sobre o conteúdo dos recortes de Joana, não poderia traí-la de tal forma manterei seus segredos a salvo.
No entanto, direi ainda uma palavra sobre o brasão na caixinha de madeira antiquíssima. Os leões que se cruzavam entorneados de estrelas e separados por um único sabre não diziam o suficiente mas eram certamente os guardiões dos portões oníricos tanto para a jovem quanto para Joana que confiavam na bravura destes seres aptos a dizer não para assegurar a guarda de seus mais preciosos segredos. 
Então, eu, este narrador, devo também ser no curso desta história cauteloso como o esgrimista e feroz como o leão pois estou entremeado das estrelas que brilham pelas angústias secretas e sabidas destes personagens tão exagerados e falsificados que o escritor desta história me confiou.

2 comentários:

curiosidade disse...

parabéns lindo demais! pra tanta sensibilidade só poderia parti de alguém com essa alma linda. obr por me permitir ler mais um de seus escritos mt obr.

curiosidade disse...

poxa chorei lendo isso talvez por estar aqui to mt sensível dve ser isso mergulhei na leitura e chorei! boba eu rs