quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Memória

Carlos continuava taciturno mas agora era Alice que jazia com seus cabelos negros e olhos azuis no seu colo fitando o horizonte entrecortado pelos prédios que apareciam suntuosos pela janela da sala. Seus olhos perdiam-se em lugares inacessíveis para o seu amor, mas eis que de repente, não mais que de repente, Alice tinha quinze anos e encontrava-se deitada na cama de seu quarto, na casa de seus pais enquanto no rádio tocava uma banda de rock, neste momento ainda irreconhecível.
Mechas vermelhas nas pontas do cabelo e lágrimas que escorriam pelo rosto em um processo de catárse provocado pela música, um estado alterado de consciência. Não tinha plena consciência de como tinha ido parar ali mas quem o tem quando as memórias afetivas se apossam de nós? Quem pode descrever em  palavras o porquê da nostalgia? 
Olhava aquele ambiente e a vivacidade de sua presença sem entender qualquer coisa, mas qual é mesmo a necessidade que temos de entender? Quem foi que nos disse que precisa tudo ser explicado? Então dexiou-se levar, na certeza de que muitas aventuras das que vivemos e, talvez, as principais estejam nos desafios impostos pela nossa mente, nos ciclos que nossa mente invoca por alguma razão ainda por ser descoberta. 
E levantou-se da cama, ainda com sono e meio perdida, acendeu um cigarro e um baseado, se livrou das cinzas caídas no chão e, então, não havia mais a consciência de estar num estado alterado de consciência, a vivacidade daquela vida passada tornou-se completa. Que podia fazer? Ahhh quantas questões... Nesta idade, ainda que não percebamos, temos muitas questões e o que diferencia esta das futuras é somente isto, a consciência da dúvida. 
Não, o choro não foi embora, apoderou-se ainda mais fortemente de seu ser e o cigarro de maconha secava sua boca e fazia seus olhos doerem empuleirados na fumaça que deixava seus olhos vermelhos. Não, sabia agora, que naquele momento não tinha sido feliz, mas o que é mesmo a felicidade? Muito provavelmente algo que sabemos que temos sem nunca poder descrever com palavras. Quantas percepções iterativas prescindem destas? E como somos felizes se, por instante feliz, conseguirmos chegar perto daquilo que há de verdadeiro nestas percepções, se conseguirmos ter a suprema honestidade.
Jazia, ainda, no colo de Carlos mas seu olhar não estava mais perdido estava desperto como se tivesse visto somente o suficiente para poder se aproximar deste verdadeiro e entender qual seu papel neste modo de ser em que a vida se presentava. Sentiu então, de súbito, as mãos de Carlos deslizarem sobre os seus cabelos negros e agora vertiam lágrimas sobre seu rosto e, como num dia de chuva em que surge um arco íris, sua face brotava um sorriso. Anunciando que novos tempos haviam em fim chegado.

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