segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Solidão a dois

Talvez me perca nestas histórias por que as palavras soam tão diferentes a olhos diferentes, mas há algo que nenhum daqueles que me leem, e já viveram um amor, podem me negar como uma verdade absoluta: ser sozinho é diferente de ser solitário e, mesmo isto, é diferente de viver em solidão. Para Carlos a presença ou ausência de Alice, pelo menos num primeiro momento, era indiferente não despicienda ou desimportante mas simplesmente parte do não ser. 
Aliás, era como se tivesse uma única conveniência, estar ali. Não importava fazendo o que sua existência era inútil só sua presença é que lhe importava e mesmo assim muitas vezes a bile se ouriçava deixando o sangue mais vermelho e o fazendo vituperar contra a mesma presença que era seu único bálsamo. Sim, Carlos havia tornado-se sozinho mas, mais do que isto, ele passou a viver na solidão. Este, provavelmente, era seu principal afrodisíaco para Alice. Esta compreendia, sem saber verbalizar, que vivia na solidão.
Acho que a história de seu primeiro encontro pode fazer entender melhor o que estou dizendo. Como sabemos Carlos perdeu sua família, mas sabemos tão pouco sobre sua personalidade, salvo o que restou após a destruição, a materialização do ambiente, a escolha inconsciente pela punição, a casmurrice e puidez de sua existência não nos contam quem era este homem e, talvez um dia, devamos nos dedicar a isto, mas por enquanto sabemos o quanto basta!
De Alice por outro lado sabemos tão pouco sobre sua vida, sobre quem era o que fazia e por que ali vivia se era pobre ou rica ou qualquer platitude do tipo, mas quanta riqueza existe nos detalhes de sua personalidade naturalmente incompleta, naturalmente na busca de suprir uma angústia com pessoas, passados ou qualquer coisa que a fizesse ter algum sentido. E também é quanto basta para que possamos entender o que se deu! 
Mas, por uma questão de exatidão, acrescentarei algo, Alice já morava naquele lugar mas seu apartamento era muito diferente da sordidez de Carlos. Era belo, bem decorado com vitrais que faziam o sol no fim de tarde ter diversas colorações cheirava a flores cultivadas com todo o zelo nos mais insuspeitos cantos do ambiente. Ocorre que não importava o quanto o ambiente fosse feliz pérfidamente o olor da solidão invadia o ambiente e, ao contrário da casa de Carlos, o ambiente tentava esconder o estado de espírito de Alice, sua condição angustiada e angustiante.
No dia em que Carlos se mudou levou consigo uma malade roupas e uma caixa de livros, os demais pertences seriam entregues no dia seguinte por uma transportadora. Sua cabeça baixa e seus all star totalmente anacrônicos eram incapazes de esconder seu histrionismo interno, seu desejo de redenção mas isto não poderia ser visto por Alice que o recebeu com um sorriso completamente inconveniente (dada a circunstância) e, sem qualquer pudor, lhe encheu de perguntas e ofereceu-se para ajudá-lo com a ambientação. Manifestações infrutíferas de uma cordialidade forçada que só recebiam respostas monosilábicas e uma crescente irritação.
Não poderia, aos expectadores haver nada de mais contraditório entre as personalidades que ali se chocavam até quase se destruir, sim havia um claro embate de personalidades. Mas quanto engano o que havia ali, na verdade, era a manifestação de uma e mesma necessidade: fugir da solidão! Ocorre que enquanto o primeiro depositava suas forças na sua própria capacidade solitária de não viver na solidão; a segunda depositava todas as suas esperanças numa busca incessante por um sentido externo. Não havia nada de diverso além das direções em que se moviam os corações. Para ambos a existência do outro só importava enquanto sua presença física pudesse servir de relembrança para seus próprios anseios.

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