sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

O espelho

Numa das noites em que os sonhos se tornavam mais reais que a realidade e Joana se retorcia na cama oscilando entre ganhidos e gritos secretos e mudos algo inusitado ocorreu. Tudo desfez-se, tudo toda a realidade e o sonho preencheu-a por completo. Não havia mais diferença entre estar acordado e estar dormindo, o segredo de Joana podia ser visto as claras e mesmo seu marido, se tivesse acordado, inevitavelmente teria tido a certeza do que se tratava.
Uma criança de vestido rosa e babados nos braços e na barra do vestido olhava de modo intermitente para a face de Joana e ora sorria ora chorava. Tal visão a recordou de sua infância, mas não, não podia ser ela mesma pois o parque de espelhos aonde se via presa mostrava-lhe sua forma adulta. Estava, então, presa entre a infância e a maturidade. Quem era ela? Era a única pergunta cabível naquela circunstância. Assim como a realidade, desfez-se também sua identidade! 
Passou a vagar sobre aquele parque de espelhos e a todo momento reconhecer-se nas faces ignóbeis dos seres que ali habitavam, mulheres com crianças de colo, meninos travessos que corriam, homens impacientes que desejavam logo retirar-se para o primeiro bar, meninas que mordiam os lábios apaixonadas, rapazes venenosos que lançavam todas as suas artimanhas para conquistar as moças e todo tipo de trapaceiros que a vida produz. Todos eram Joana e Joana era todos. Não se tratava de mera compaixão, mas de verdadeiro reconhecimento físico. Quantas faces deveria ter? Não importa por que todas eram uma única.
Errava e o desespero de ser todos deu-lhe a certeza de não ser nenhum deles! A igualdade implicava naturalmente na falta de qualquer pertinência de si própria numa insegurança, numa revolta, numa indecência de sua existência inútil indiferenciável, sem valor. Joana agora chorava e corria em busca de braços que lhe pudessem confortar enquanto a menina sorria, com os dentes brancos, e lhe estendia os braços mas nunca estava um instante sequer mais próxima. O copioso choro de Joana parecia divertir aquele ser mau, monstruoso, que lhe tinha uma face tão amistosa e divertida.
Este sonho era ainda mais poderoso que os outros este era a revelação da vida que se desfazia interiormente de Joana, mas por que? O que estava acontecendo, de onde viera tal dor, tal angústia? Não, não podia falar as palavras lhe faltavam mas contraditóriamente tal sonho lhe provocava sensações eróticas que lhe fizeram acordar com os seios intumecidos e toda molhada, arfante como se tivesse feito sexo! E como, contraditóriamente, esta era a expressão mais forte de seu desespero, como o sexo é desesperador...

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