quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O vidro

Na mesa de Carlos pendia um prato de vidro vermelho em que os restos da cocaina se misturavam a inscriçoes realizadas em uma lingua que nao sabia decifrar o episodio do pulgueiro havia tomado seu ser de tal forma que cheirou uma carreira atras da outra inspirando sua saida do corpo por completo o vidro perdeu o foco. 
Seu penis saltava pela calça a situaçao ignobil da falta de salvaçao inspirou-lhe um desejo sexual a tal ponto que desejaria olhar para aquele pulgueiro mais vezes numa catarse inimaginavel. Deixe me explicar, no entanto algo, nao era o sexo que o excitava mas a propria desgraça humana, a propria degradaçao daquela figura linda entremeada pelas gorduras e suores corporais daquele ser patetico que se dispunha sobre seu corpo.
O espetaculo do nojo foi o que gerou seu gozo a certeza da angustia alheia, o bizarro em toda a situaçao, poderia, certamente, esquecer o sexo que ocorria a vistas nuas mas nao a sensaçao de degradaçao que o ligava aquela moça, sim, ele a amava e o jorro de seu semem era a prova do amor pela ligaçao extrema que os seres encontram na sua propria desgraça.
Fazia poucas semanas que estava naquele lugar e pouco saia, na verdade so saia para comprar mais drogas e continuar seu ritual de auto penitencia fitava entao a desgraça alheia sem que as palavras pudessem ser formadas, nao, nao havia qualquer delas que pudesse dizer sobre seus sentimentos e as contradiçoes que se faziam presentes em sua percepçao
Disto decorreu um pensamento que o assolaria por dias "as palavras nao dizem mais nada". Como por subito a moça percebeu seus olhares indiscretos e passou a gemer cada dia mais alto como se dissesse "voce esta aqui comigo" e, no tempo em que os olhos significam muito mais que os ouvidos, seus olhares destinavam-se a janela adjacente sempre esperando que seu admirador tivesse ali. Numa cumplicidade silenciosa passaram a se entender pelos seus olhares e a condiçao de desgraça mutua substituiu-se uma continua autopiedade compartilhada, uma compaixao, um verdadeiro amor. 
Mas como e possivel de toda aquela sujeira, imundicie nascer uma flor? Num pantano negro e fetido uma bela rosa vermelha brotou e os olhares desejosos e complacentes se tornaram cumplices, cumplices na sua desgraça! Enquanto ela vendia seu corpo por qualquer ninharia ele vendia seu corpo por qualquer coisa que o fizesse esquecer e, assim, ambos podiam entender a subvida que levavam.
Nao, mas isto nao era o suficiente para que pudessem dizer um ao outro qualquer palavra a final "as palavras nao dizem mais nada". Certo dia ao descer pelas escadas Carlos encontrou a jovem moça entrando no predio fitou-a e nada tinha a dizer mas sentiu seu coraçao palpitar e o mesmo aconteceu com ela. Nao trocaram uma palavra e mantiveram ainda por um tempo a relaçao que doentia de cumplicidade degradante que tinham antes. No entanto, ao encara-la algo mudou reparou nos trejeitos e percebeu nela a mesma moça que havia o recebido com tantas palavras e inconveniencias.
Tal encontro deu-lhe a certeza de que "as palavras nao nos dizem mais nada, nao significam nada, existem tantas linguagens e tantos significados que somos incapazes de compreender uns aos outros, mas resiste uma percepçao de algo que nos conecta de um sofrimento, uma dor, que pode nos fazer enxergar e, talvez, se um dia formos capazes de acessar a isto poderemos outra vez dizer algo em vez de falar palavras ao vento." Com isto seguiu seu caminho com um sorriso no rosto como quem faz uma descoberta inimaginavel, revolucionaria para a ciencia deixando a moça para tras esperando que a cumplicidade adquirida no olhar pudesse enfim se materializar em razao e dizer algo, mas o que tampouco ela sabia.

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