quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

O Grito

Um dia acordou sobressaltada e soltou um grito, daqueles mudos como quando a voz falta. Foi o suficiente para acordar seu marido assustado; seus olhos escorriam lágrimas, copíosamente. Este foi o primeiro episódio em que Joana revelou, de alguma forma sua dor mas quem daria atenção a um mero pesadelo? Seu marido pôs lhe a cabeça nos ombros como quem entendesse do que se tratava, buscando acalma-la. 
Não, as palavras não saiam de sua boca, os cabelos negros bagunçados era tudo que ela conseguia pegar em um desespero que era sintomático. Mas leitor, quantos sintomas da dor alheia deixamos passar, sem que sequer desconfiemos de sua importância. Afinal quantos significados as coisas podem ter? A cama do casal extremeceu, mas ninguém, exceto Joana podia se dar conta disto. A complacência lhe transtornava e a falta de palavras para explicar o ocorrido tornava-a irascível! 
A alegria costumeira foi-se. O segredo foi mais forte que ela e as palavras não saiam de sua boca, não era capaz de contar. Decidiu, então, manter para si todo aquele peso. Ahh como a vida tem tantos significados, tal decisão foi o necessário para que a complacência e a certeza de que não se tratava de nada demais invadisse o ambiente conjugal. Não se tratava de maldade ou falta de zelo, mas as coisas tem tantos significados. 
O silêncio que é capaz de internalizar e nos fazer religar com algo interno clareando nossas idéias pode também significar algo deletério, afastando de nós todos aqueles que poderiam ser nossos ajudantes nesta vida. E, talvez vocês não saibam, mas ajuda é algo de que todos prescindimos, principalmente quando entramos no fundo de algo que não entendemos; dividir pode não ajudar a entender mas ajuda a ficar mais leve o peso do mistério.
Pode ser que tenha dado a idéia de que a solidão desespero é deletéria e a solidão angústia é algo de normal ou até benéfico; mas enquanto a primeira afirmação é verdadeira, a segunda é certamente falsa. Precisamos, necessariamente, de meios para impor um sentido a nossa vida e se não o podemos fazer sozinhos certamente o reconhecimento da alteridade nos ajuda. 
O episódio do grito não despertou nem para Joana, nem para seu marido tais percepções e como uma hera venenosa que corrói tudo que toca transformou a angústia natural da existência em solidão completa e total no lar conjugal. Se na primeira vez a complacência foi quem tomou conta aos poucos tudo foi se transformando em simples solidão e distância. Como é triste ver um casal que se ama afastar-se, perder a cumplicidade. Não importa o quanto se ame uma pessoa é necessário respeito e cumplicidade para que o amor se nutra e mantenha-se forte!
Tal episódio tornou-se contumaz e Joana não mais podia lidar com ele sozinha, mas a primeira atitude de seu marido havia a convencido de que se ela era incapaz de entender aquilo tampouco seria seu marido; do mesmo modo seu silêncio angustiava seu marido que, não mais acreditava na eventualidade do pesadelo, mas nada poderia fazer na inteligência de que não poderia forçá-la a se abrir. E como é perigoso manter para si os problemas, como é perigoso não acreditar nas pessoas.
A confiança e a lealdade não se trata de um dever de fidelidade ou de exclusividade proprietária mas de verdadeira cumplicidade; de compaixão no sentido de sentir o que o outro sente. Quando isto não ocorre existêm duas soluções; deixar de lado e buscar a felicidade em outro lugar ou abrir-se. Nenhum de nós tem o direito de abrir mão de nossa felicidade, plenitude em favor da medíocridade de uma vida segura e tranquila; a final a vida é muito mais que se adaptar, devemos sempre lutar por nossa felicidade!

Um comentário:

Simone Costa disse...

Paulo, querido! Não me admira você dizer que gosta das palavras..você as trata com carinho, com respeito e com arte. Fiquei muito feliz com sua visita em meu Blog Impressão & Expressões. Tenho andado meio distante e sem tempo para fazer o que verdadeiramente amo - escrever, por isso os post estão desatualizados por lá...Estou adorando seus escritos, seus contos, sua poesia...altíssima qualidade, parabéns e não desista - embora a escrita não dê futuro (ao mesnos a nós meros mortais sem QIs), vale muitissimo a pena. Continue, sempre! Sucesso...voltarei sempre. Volte lá! Beijos Simone (amiga da Ta Mônica - querida).